Wednesday, April 30, 2008

folhas de outono

Ao chegar de mais um dia de trabalho, mais cansada do que de costume, abriu a porta de casa, jogou as chaves do carro sobre a mesinha de centro da sala de estar e as correspondências que trazia na outra mão foram levadas com ela para a cozinha para serem lidas enquanto servia-se de uma xícara de café frio, feito pela manhã. Nada de novo havia ali: contas à pagar, cobranças de dívidas que nunca havia feito, bancos oferecento cartões de crédito e afins. Pouco surpresa com o conteúdo daqueles envelopes, levantou-se e deixou os ali, à esmo sobre a gelada mesa de granito da cozinha. Pegou suas pastas recheadas de numerosos relatórios que havia deixado na sala antes de ir trabalhar e caminhou até seu quarto aonde começaria a trabalhar em seu projeto, naquela mesma sexta à noite. Havia esquecido a janela aberta pela manhã e respirou fundo ao ver que seu quarto estava, agora, repleto de folhas secas dispersas no chão. Não fez nada, deu meia volta, apagou a luz, fechou a porta e saiu dali como se nada estivesse fora do lugar. "Droga! Limpar essa sujeira vai me tomar o resto da noite!", gritou consigo mesma por não poder colocar a culpa em ninguém. Sentou-se no corredor e fitou as pastas na qual o conteúdo lhe proporcionaria horas e horas de trabalho duro e olheiras mais profundas do que as de agora. Estava farta daquilo. Seu maior objetivo na vida sempre foi alcançar o sucesso profissional, sempre se dedicou ao máximo para que isso acontecesse, abriu mão das coisas que mais lhe despertavam o prazer verdadeiro, estudou muito durante anos, como poucos ousariam fazer. E em troca de que? Conseguiu comprar uma torradeira de funcionamento instantâneo e aquilo a satisfez por um tempo. Logo mais comprou um desk mais moderno que o antigo para o seu computador, depois trocou a televisão por uma dessa novas, feitas de cristal líquido, sabe? E continuou alimentando seu consumismo, acreditando estar cada dia mais próxima da realização pessoal e que isto, era inerente ao conforto, e somente à ele. Como num estalo, levantou-se subitamente do chão gelado e olhou no relógio que marcava quinze para as nove da noite. Deixou ali as pastas as quais deveria estar dando atenção e entrou novamente no quarto, ignorando completamente a presença das folhas espalhadas por todo lado que vinham anunciar a chegada do outono, pegou uma cadeira e a levou para perto do guarda-roupas, abriu as portas do mesmo e de cima da cadeira passou a procurar sua antiga agenda telefonica, dos tempos de colégio. Depois de muito revirar uma das prateleiras superiores, finalmente encontrou o que procurava. Desceu então, da cadeira e após pegar o telefone ficou ali, estática, olhando parar o número escrito naquela folha amarelada da velha caderneta repleta de nomes esquecidos. Respirou fundo três vezes antes de ganhar coragem e começar a discar. Levou o aparelho à orelha com as mãos tremendo, a essa altura ela não sabia mais se tremiam de frio, ou de medo. Tocou uma vez, tocou duas, tocou três, quatro, cinco... e ninguém atendeu. Ela começava a perder sua última parcela de esperança quando ouviu do outro lado da linha, dizendo "Alô?" aquela voz que a confortara inúmeras vezes no passado. Sua voz se recusava a sair, estava presa à ardente sensação de reviver o passado através de uma simples palavra, de um simples som. Mas ainda conseguiu responder a tempo de não deixar essa felicidade se esvair em meio ao silêncio:

"Oi... aqui é a M. Eu sei que parece estranho você receber essa minha ligação tão repentinamente, depois de tanto tempo... e talvez você nem se lembre mais de mim... mas... eu queria saber se você gostaria de sair pra conversar e talvez beber alguma coisa..."


E somente depois de ouvir a gargalhada de contentamento do outro lado da linha, ela pôde, depois de muito tempo, sentir seu corpo aquecer-se novamente, com um sorriso sincero estampado em sua face rosada.

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